Cozinha Brasileira

    Se você tem interesse específico em práticas culinárias, ingredientes e modos de preparo da cozinha brasileira, deverá buscar outra página. Desprovido de “cientificidade”, preparei este texto levada pela memória afetiva de alguns pratos clássicos. Não é ficção. O resultado parece ser o de uma justaposição de autobiografia e gastronomia. E o objetivo é que, através dele, insinue-se a possibilidade de (re)produção de textos semelhantes.
    Antes de começar a ler: Não pedi autorização para citar nomes. Caso encontre o seu, e isso lhe desagrade, saiba que é possível excluí-lo, e ainda assim permanecerá incluso (dentro da minha memória, ao menos!). Memória: é para dentro da gente. Eis a lógica do que é.


No Norte do Brasil | TACACÁ

Ficha técnica fornecida por Cristina Lontro
    Um estado e referências. O avô Juca, tia Margarida e meu pai nasceram no Pará. Quando vieram para o Rio de Janeiro, trouxeram no coração as mangueiras de Belém, o Teatro da Paz e o mercado de Ver-o-Peso. Enquanto acentuavam a característica melting pot do mercado, onde cores e texturas, sabores e cheiros das frutas e dos peixes se misturam aos demais insumos da região, meus ouvidos de menina se impressionavam com o onomatopaico tacacá, que a adolescente colocaria entre parênteses. Quando, entretanto, arrisco sugerir a origem e etimologia da palavra, seguindo o que penso ter aprendido com o professor Horácio Rolim no curso de Letras, parece surgir uma compreensão, de algum modo, provável. Tacacá proveio do tupi-guarani onde os elementos constitutivos são [taka] – haste, em referência à mandioca + [kaá] – mato, ou erva ou folha, em referência ao jambu, em que os sujeitos-falantes suprimiram a vogal –a- para tornar a pronúncia mais fácil ou agradável, do que se formou [takaká]. E mesmo que a sua etimologia fique em suspenso, uma coisa é certa. Tacacá classifica o Pará (e o Norte do país).

No Sul do Brasil | ARROZ DE CARRETEIRO

Ficha técnica fornecida por Beatriz Dias
Porto Alegre: Não curtiria a cuia cevando o mate. Não cuidaria do fogo para assar a carne. Não dançaria a Tirana do Lenço. No galpão, deveria limitar-me a tomar consciência da cultura e cozinha riograndenses, que se manifestaram na preparação do arroz de carreteiro, ligando-o à história da formação socioeconômica do Rio Grande do Sul. O carreteiro é simples. Charque cozido com arroz em panela de ferro. Prático para os muitos dias de viagem. Refeição calórica adequada às distâncias. Receita de tropeiros. Prato de tradição. A experiência valeu para fechar um período do curso de mestrado, em que não apresentei dissertação, nos anos 80. Ou a experiência valeu para começar outro período? Não tenho certeza; é mesmo irrelevante! E tudo isso aconteceu, promovido pela gentileza de Ana Maria Zilles, que levou as duas colegas cariocas e uma paulista a um dos CTGs – Centros de Tradições Gaúchas. Guisado de vivências.

No Sudeste do Brasil | MOQUECA CAPIXABA

Ficha técnica fornecida por Vicente Abreu
    O tio Murilo combinou de passarmos o Carnaval em São Pedro da Aldeia. Fomos. No domingo, convidaram-nos todos para a moqueca da terça-feira gorda. Adivinhando que deveria ser igual àquela quente da Bahia, e adivinhando igualmente uma desculpa para desobrigar-me do almoço, dormia mal. Não poderia sentar-me à sombra de uma casuarina e ficar olhando a laguna. Não, não poderia levar minha irmã, de seis anos, e escorregar nas dunas. Não poderia antecipar a quaresma, e fazer orações na Igreja dos Jesuítas. E poderia ir à casa da tia-avó Dorinha, simplesmente, para “belezinha” no cabelo? O que eu poderia fazer à uma e meia, sol quente e vento de nordeste? E, eu fui almoçar. Mas a moqueca era outra: nem leite de coco, nem azeite de dendê, ou ambos. Moqueca capixaba. E essa era boa.
  
No Centro-Oeste do Brasil | FRANGO COM PEQUI

Ficha técnica fornecida por Cristina Lontro
    Não estranhe você se me sirvo de São Paulo para chegar ao Centro-Oeste do país. Em São Paulo, no atelier de Vera Parente, tudo se desdobrou pelo efeito semelhante do jogo de “palavra puxa palavra”. No atelier, conversamos sobre cerâmica (que outro assunto haveria numa oficina de cerâmica?!); comentamos, ainda, o projeto O Prato é Seu; e, consequentemente, falamos de comida. Não havia dúvida de que era preciso almoçar. A cada almoço, resolvi observar de forma aleatória participantes e escolhas de cardápio. E a observação alimentou-se de certa curiosidade de conhecer a cozinha do cerrado. Não foi sem razão: a ceramista Adelisa Machado viera de Dourados, MS, para o workshop. Nada lhe perguntei enquanto produzia combinações no pensamento. Mas, assim que voltei a casa em companhia de minha irmã, também ceramista (e arquiteta), pude descobrir que naquela região a amêndoa de espinhos pretos e finos do Pequi combina com arroz e milho verde, e com feijão e carne, e com isso ou aquilo. É, com as preparações, conferir as propriedades gustativas desse fruto denominado dourado.

No Nordeste do Brasil | BOLO SOUZA LEÃO

Ficha técnica fornecida por Beatriz Dias
    Muito mais que patrimônio pernambucano: o Bolo Souza Leão é de família há cerca de 140 anos. A meu pedido, quando organizei material para o livro Retalhos para Colcha: memórias em família, minhas primas encontraram aquele outro de rolo nos manuscritos da avó paterna que conheci; mas, com certeza, Maria Iracema de Souza Leão Salles Arantes tinha a sua receita de memória. (Mesmo que cada núcleo a tenha ao seu modo, todos os Souza Leão a têm.) A essa altura, se você nunca o provou, pode estar se perguntando o que há nele de tão especial. Um único ingrediente faz a diferença! É a massa puba: massa úmida de mandioca fermentada. Devo, ainda, dizer que a chef de cozinha Naila Milani foi quem preparou esse da foto. Na ocasião, faltou-me ânimo para fazê-lo e, inclusive, vontade de partilhá-lo. Saudades afastaram o eventual prazer.


Antes de terminar de ler: E ainda assim não termino, e assim desconfio que é possível seguir quando se pode lembrar com a gente escrevendo tudo, assim  como este texto em que “ acabou-se o que era doce; quem comeu, regalou-se”.

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